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Uberização do Trabalho

No dia de ontem, 05/08/2022, na cidade de Brasília-DF, Brasil, realizamos um importante evento para debater a atividade dos trabalhadores por aplicativos, os quais enfrentam condições bastante adversas no desenvolvimento de suas tarefas cotidianas. Colaboraram conosco nesta discussão o Professor, Doutor em Sociologia do Trabalho, João Areosa, de Portugal, que atua como Investigador na Universidade Nova de Lisboa e o Professor e Pesquisador do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), Doutor Ricardo Festi. O evento contou com a participação de alunos e profissionais da área de segurança e saúde no trabalho, sociologia, psicologia e direito e representantes de entidades.

Na sua intervenção, Ricardo Festi, além de contextualizar a uberização do trabalho como uma decorrência das novas tecnologias e da chamada Digitalização do Trabalho, destacou que a situação dos trabalhadores de plataformas digitais apresenta-se muito grave, considerando a total ausência de qualquer tipo de proteção trabalhista, bem como as excessivas jornadas de trabalho, combinada com rendimentos relativamente baixos. Festi apresentou ainda alguns resultados do estudo que realiza com os trabalhadores por aplicativos (entregadores) na cidade de Brasília. Neste caso, tem verificado que  as condições são desumanas, tendo sido identificado, inclusive, casos de trabalhadores com rendimentos negativos no final do mês, em vista dos custos da atividade que ficam totalmente à cargo destes. Além disso, segundo Festi, estes trabalhadores são classificados pelos aplicativos segundo uma pontuação que reflete, principalmente, o número de viagens/entregas realizadas de modo que aqueles que atingem um escore mais baixo são preteridos pela plataforma e recebem menos pedidos de entregas para realizar, impondo-lhes rendimentos ainda mais baixos. Por fim, Ricardo Festi, registrou que a maioria destes trabalhadores são do gênero masculino (98%), relativamente jovens (25 a 40 anos), boa parte deles homens negros.

João Areosa foi bastante enfático ao afirmar que este modo de trabalho, atualmente, representa um retrocesso em termos de organização do trabalho e impõe aos trabalhadores um tratamento que afronta a dignidade humana. Para Areosa, os trabalhadores uberizados são vítimas de uma “falácia” que apresenta o trabalho por plataforma digital como algo moderno e flexível que trata as pessoas como parceiros ou empreendedores, quando na verdade trata-se de um modo engenhoso de exploração de mão-de-obra. Estes trabalhadores são duramente explorados, seja pelas extensas jornadas de trabalho que acabam realizando, seja pelos baixos rendimentos que auferem, mas, principalmente, por assumirem todos os custos e riscos da atividade. Assim, a bicicleta, a moto ou carro, o telefone móvel e o plano de internet, os custos de manutenção dos equipamentos e as despesas de saúde, eventualmente necessárias quando acontece um acidente, são todos de responsabilidade exclusiva destes trabalhadores. Quanto aos perigos associados à este tipo de trabalho, Areosa, que tem estudo com estes trabalhadores na cidade de Lisboa – Portugal, destacou a exposição a todo tipo de intempéries (calor, frio, chuva, etc), acidentes de trânsito, agressões físicas e verbais de clientes, elevado esforço físico (principalmente os que fazem uso de bicicleta) e o estresse relacionado ao trabalho.

Sobre as perspectivas de enfrentar esta situação do trabalho uberizado, ambos os palestrantes mostram-se um pouco céticos, pois, até o momento, as pressões sobre as plataformas digitais não tem resultado em avanços importantes. A principal reivindicação dos trabalhadores tem sido o enquadramento legal da atividade de forma a conferir-lhes condições mais favoráveis de trabalho, ainda que distante do trabalho tradicional (contratos de trabalho). No caso de Portugal, segundo João Areosa, houve uma iniciativa nesta direção, entretanto, não se traduziu em direitos efetivos aos trabalhadores, os quais continuam a trabalhar sem nenhum tipo de vínculo e sem quaisquer direitos trabalhistas. Nas suas palavras tudo resultou em uma “Mão cheia de nada”.

Por fim, participantes do evento chamaram atenção para a responsabilidade da sociedade de um modo geral que faz uso destes serviços e que, de certa forma, legitima este modo de trabalho, considerado injusto e perverso, ao silenciar diante desta situação. Certamente, o enfretamento desta situação não deve ser apenas dos trabalhadores uberizados, tendo em vista o nível de complexidade que representa, seja pela dificuldade de organização laboral, seja pela característica particular destas plataformas, onde inexiste contato dos trabalhadores com os responsáveis máximos deste negócio digital, seja, por fim, pela dimensão social e econômica que adquiriu pelos milhões de trabalhadores nestas condições. Governos, Agência Oficiais, Sindicatos, Associações de um modo geral, dentre outros, devem se empenhar no enfrentamento deste que parece ser um dos maiores desafios no mundo do trabalho, do século XXI. Por outro lado, a área de Segurança do Trabalho, para além de cuidar das condições seguras e saudáveis no interior das fábricas e estabelecimentos de prestação de serviço, inclusive o serviço público, precisa ter um olhar para o trabalho informal, onde não apenas há carência da prevenção habitual contra acidentes e doenças do trabalho, mas, inexiste qualquer proteção legal dos trabalhadores, como é o caso dos trabalhadores uberizados.

Por: Francisco Edison Sampaio
Presidente da AIEST

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